A Iconoclastia Pessoal como Destino e Espelho - Ensaio

20-11-2025

Ao ver o nome Black Sheep Studios na porta de uma loja, não foi o nome que captou a minha atenção, mas sim o autocolante colado logo abaixo, uma coleção quase burocrática de obrigações: "obrigatório o uso de máscara", "obrigatório distância de segurança", "obrigatório desinfeção das mãos", "obrigatório agendamento", "obrigatório limite de clientes", "obrigatório etiqueta respiratória" e como corolário "`Eu´.cumpro". Uma miniatura disciplinar, um micro-código de condutas. E, no contraste entre esse nome que evoca a ovelha negra — o desvio, o singular, o que não cabe — e a lista de normas que o sustentava, senti-me diante de um espelho inesperado.

A minha vida inteira tem sido marcada por esta tensão: entre aquilo que é suposto e aquilo que irrompe, entre as normas que moldam e o impulso íntimo de quebrar a moldura. Sartre teria dito que ali, diante daquela porta, se revelava mais um momento de absoluta responsabilidade da liberdade: eu reconhecia, mais uma vez, que não nasci para ser "ovelha negra" — tornei-me tal. Não por rebeldia superficial, mas porque não suportei a má-fé das identidades impostas. A singularidade não é destino: é escolha reiterada.

O autocolante, com as suas obrigações quase caricaturais, lembrou-me de que o mundo ergue estas pequenas máquinas de conduta por toda a parte. Foucault chamá-las-ia tecnologias disciplinares miniaturizadas. Não precisam de guardas, bastam símbolos, ícones e círculos vermelhos. É assim que o corpo social nos treina, mil vezes por dia, a caber no molde. E é exatamente por isso que a figura da ovelha negra continua tão poderosa: ela representa aquele que escapa, que se desvia do alinhamento imposto, que se desloca fora do raio da vigilância.

Mas o símbolo também tem um eco interior. Jung diria que a ovelha negra é um arquétipo da individuação, a imagem daquele que atravessa o desconforto de abandonar o rebanho para recuperar a própria integridade psíquica. Muitos temem este caminho porque exige ruptura. E toda a ruptura implica perda — de pertença, de aprovação, de imagem. Mas, no fundo, é esse afastamento que permite que o indivíduo se torne uma totalidade coerente.

Mais tarde, soube por um vizinho que a loja era afinal um estúdio de dança. Disse-mo acompanhado de um gesto corporal quase coreográfico, como se o próprio corpo completasse a explicação, e terminou com um "sabe como é?", deixando no ar uma cumplicidade tácita: a de que certos espaços falam mais pelo movimento que abrigam do que pelas palavras que os nomeiam.

Por isso, ao olhar aquele autocolante cheio de obrigações, percebi que ele não me reprimia — revelava-me. Eu não sou a ovelha negra por rejeitar regras, mas por reconhecer que não é o exterior que me define. A iconoclastia verdadeira não é destruir imagens exteriores, mas romper as imagens internas que nos foram impostas. É uma tarefa contínua, por vezes dura, mas profundamente libertadora.

Afinal, a ovelha negra não é aquela que se rebela: é a que não abdica de ser quem é, mesmo quando o rebanho inteiro prefere não ver.

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