Diferença não é Diversidade: a tensão que sustenta a vida
A mentira suave da diversidade
Vivemos tempos em que as palavras são cuidadosamente aparadas, como se o pensamento só pudesse existir se não incomodar. Uma delas — entre as mais trabalhadas — é diferença.
Já quase não a ouvimos.
Em seu lugar, passou a dizer-se diversidade.
Mas esta troca não é inocente. É uma forma de disfarçar a tensão — e onde não há tensão, não há verdade.
A diferença é desconfortável. Implica contraste, ruptura, fricção simbólica. Diz-nos que aquilo que está diante de nós não somos nós — e talvez nunca venha a ser.
Já a diversidade é simpática, colorida, afável.
Tornou-se palavra-tapete: estende-se sobre tudo o que separa e, por cima, celebra-se.
Mas a vida não funciona assim.
Nem o corpo, nem a cultura, nem a alma.
O corpo ensina-nos: viver é adaptar-se
Hans Selye, médico húngaro que introduziu o conceito moderno de stress, dizia que o ser humano vive num estado de constante adaptação. Sempre que algo muda — seja o clima, o humor, uma memória, um toque — o corpo responde. Ajusta-se, contrai-se, alarga-se, acelera ou abranda.
Chama-se a isso stress.
Mas não no sentido negativo que lhe colamos. O stress, dizia Selye, é o preço da vida.
Quando acaba, é porque morremos.
Este insight pode — e deve — ser transposto para a forma como lidamos com o mundo simbólico, com a cultura, com o outro.
O que é a diferença, senão um stress psíquico e social? Uma força que nos tira do centro, que nos obriga a reorganizar o nosso modo de ser, de pensar e de reagir.
O corpo não se equilibra na rigidez, mas na tensão constante entre sistemas. Também a identidade, seja pessoal ou colectiva, não se constrói na estabilidade, mas no confronto com aquilo que não reconhece imediatamente como seu.
A engenharia semântica: quando diferença se torna diversidade
Foi por isso que, ao longo das últimas décadas, o discurso dominante — político, educativo, institucional — escolheu suavizar a linguagem.
Fala-se menos de diferença, mais de diversidade.
E o que aconteceu?
A diferença, que obriga à pergunta e ao confronto, foi substituída por uma ideia de pluralismo domesticado. A diversidade tornou-se sinónimo de tolerância.
Mas muitas vezes essa "tolerância" não é mais do que um medo de pensar, de dizer que nem tudo pode ser aceite, que há práticas incompatíveis com a liberdade, com o cuidado, com a própria dignidade da pessoa.
Celebramos a diversidade, mas evitamos o que ela traz de mais precioso: o desconforto transformador.
Toda diferença gera stress — e isso é bom
A diferença gera tensão. Mas nem toda a tensão é má.
A tensão é o que permite o movimento, a evolução, o salto simbólico.
Num mundo onde tudo se quer conciliado, há algo muito infantil na recusa da diferença como campo de confronto.
E algo profundamente perigoso na ideia de que só há convivência se for pacífica.
Não.
Há convivência real quando somos capazes de sustentar tensões sem colapsar. Quando não é preciso eliminar o outro, nem apagar-nos a nós mesmos.
O corpo não deixa de ter fígado porque o estômago o acha estranho.
A alma também não pode amputar os seus opostos só porque incomodam.
É preciso reaprender a diferença
Precisamos urgentemente de reaprender a diferença como categoria crítica — não para excluir, mas para discernir.
Diferença não é ameaça.
Diferença é stress, sim — mas stress vital.
Aquele que nos obriga a repensar, a reposicionar, a crescer.
A diversidade sem tensão é decoração.
A diferença, quando bem escutada, é caminho de transformação.
E talvez seja tempo de deixarmos de procurar segurança nas palavras bonitas — e começarmos a procurar verdade nas que nos obrigam a respirar mais fundo.