O que é real?
Esta manhã, enquanto tomava o pequeno-almoço, lembrei-me do filme The Matrix.
Daquela cena em que Morpheus diz a Neo:
"O que é real? Como defines o real?"
E de como ele depois lhe explica-lhe que aquilo a que chamamos realidade não passa de sinais eléctricos interpretados pelo cérebro.
Na altura parecia ficção. Mas e se for mais do que isso?
E se estivermos mesmo dentro de uma prisão — não de betão e grades, mas de percepções, pensamentos, crenças e ciclos?
Os órficos já diziam: sōma sēma — o corpo é uma prisão.
A alma, caída do mundo divino, reencarna, esquecida de si mesma, presa ao corpo como a um cárcere.
Viver é, para ela, um esquecimento. E a libertação exige uma purificação interior, uma travessia do esquecimento para o conhecimento.
Não se nasce livre — liberta-se quem desperta.
Séculos depois, Descartes duvida de tudo — até do próprio corpo.
E pergunta-se: "e se tudo for um sonho?"
Quando estamos a sonhar, acreditamos que é real. Só ao acordar percebemos que era ilusão.
Mas… e se nunca acordarmos verdadeiramente?
E se estivermos apenas a saltar de sonho em sonho, de cela em cela, como alguém preso que muda de prisão mas nunca conhece a liberdade?
Mesmo a morte — como num sonho em que se morre — pode não ser o fim. Pode ser apenas a passagem para outro cenário. Outra cela. Outro sonho.
O verdadeiro despertar não é a morte. É o reconhecimento.
É ver a prisão pelo que ela é. É ter consciência do sono — e, nesse instante, começar a acordar.
Orfismo, Descartes, Matrix — todos dizem a mesma coisa de formas diferentes:
Estás a sonhar.
Estás preso.
E só tu podes acordar.
Nota: A imagem de fundo representa a cena onde Neo perde a boca e é invadido pelo sistema. A mensagem é, para despertar, é preciso primeiro perder o controlo e ver a prisão a partir de dentro. Em termos mais profundos, a perda da boca simboliza a perda do Logos (Palavra), da capacidade de nomear, de afirmar o Eu, de declarar a verdade. É uma violação da identidade espiritual - como se estivesse a ser dito, sem o dizer: "tu não falas. O sistema fala por ti. Não tens voz. Não tens realidade própria"
