Poder ou Certeza?
Será que o Homem anseia mais por poder ou por certezas? Um dos traços mais marcantes da natureza humana é a relação intrínseca entre o poder e a incerteza. À primeira vista, parece paradoxal que o poder, frequentemente associado à liberdade de escolha e ao controlo sobre a própria vida, traga consigo um aumento da incerteza. Porém, há fundamentos psicológicos e sociais que ajudam a compreender esta dinâmica.
O ser humano é, por natureza, avesso à incerteza. O cérebro reage ao desconhecido como uma ameaça, activando o sistema límbico e desencadeando respostas de stress. A previsibilidade é uma âncora psicológica que reduz a ansiedade e permite uma maior eficiência cognitiva. Quando a previsibilidade é comprometida, o esforço para interpretar e reagir ao desconhecido sobrecarrega o sistema cognitivo, tornando a incerteza um fardo difícil de suportar. Para lidar com esta sobrecarga, o Homem procura refugiar-se em estruturas externas — sociais, ideológicas ou religiosas — que oferecem a ilusão de certezas. Estas estruturas simplificam a complexidade da vida e libertam o indivíduo da responsabilidade total sobre as suas escolhas. No entanto, esta liberdade aparente vem a custo da autonomia plena. A responsabilidade total é simultaneamente libertadora e assustadora, pois implica assumir por completo as consequências das decisões tomadas.
Com o poder, surge a responsabilidade de decidir, e cada decisão carrega a possibilidade de erro. Quanto maior o poder, maior é o impacto das escolhas, e maior é também o potencial para falhar. O poder, portanto, não elimina a incerteza, mas amplifica-a, porque as decisões significativas raramente são óbvias ou binárias. Ter poder pode criar a ilusão de controlo absoluto, mas a realidade raramente corresponde a essa expectativa. O mundo é caótico e imprevisível, e até os líderes mais poderosos estão sujeitos a factores externos como alterações económicas, sociais ou emocionais. Esta dissonância entre a percepção de controlo e a realidade imprevisível causa desconforto e intensifica a sensação de incerteza. Além disso, o poder frequentemente isola emocional e socialmente quem o detém, já que as relações de poder são intrinsecamente assimétricas. Esse isolamento agrava a incerteza, pois reduz o apoio e a validação externa que ajudam a mitigar o impacto das decisões.
De forma inconsciente, muitos evitam o poder por este os forçar a sair da zona de conforto. Contudo, alguns, em vez de abdicarem totalmente dele, adoptam um papel de "presentismo", no qual mantêm a aparência de controlo e autoridade, mas delegam as responsabilidades em terceiros. Nessa dinâmica, assumem o mérito pelas decisões bem-sucedidas e atribuem os fracassos aos subordinados ou a factores externos, como o azar. Este comportamento é explicado pela teoria das atribuições causais, que descreve como as pessoas interpretam as causas dos eventos, dividindo-as em internas (atribuições de sucesso às suas capacidades) e externas (justificações de falhanço com factores fora do seu controlo). No caso do "presentismo", este mecanismo protege o ego ao reforçar uma imagem de competência e, ao mesmo tempo, reduz o fardo da responsabilidade pelas consequências negativas. Assim, perpetua-se uma sensação de segurança aparente, baseada na ilusão de controlo.
No entanto, numa perspectiva existencial mais profunda, é sensato reconhecer que as únicas certezas na vida são poucas e universais. O retorno à "casa" — o que numa perspectiva mundana chamamos morte — e a alternância inevitável entre vazante e enchente são duas delas. Estas certezas reflectem a impermanência e o fluxo natural da vida. Além disso, podemos considerar mais duas certezas de natureza espiritual e filosófica: tudo está em constante transformação e a liberdade de escolha perante as circunstâncias. Heráclito disse que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. Nada permanece igual, seja no plano material, emocional ou espiritual. Esta certeza pode ser desconfortável para o ego, mas é também o que impulsiona a renovação e o crescimento. Quanto à liberdade de escolha, mesmo que não possamos controlar os acontecimentos externos, temos sempre a capacidade de moldar a nossa resposta. Viktor Frankl chamou a isto a última das liberdades humanas, uma força interior que nos permite transcender as incertezas da vida.
Destas quatro certezas, torna-se claro que todas as outras, frequentemente apresentadas pelo ego ou pela sociedade como garantias absolutas — segurança, controlo, amor eterno ou felicidade constante — são ilusórias. O desejo humano de permanência cria estas falácias, mas é precisamente no reconhecimento da impermanência e na aceitação das incertezas que reside a verdadeira liberdade. Quando compreendemos que a vida é um fluxo constante, e que o nosso poder reside na forma como escolhemos navegar esse fluxo, libertamo-nos do medo e reencontramos a capacidade de viver plenamente.