Sonho 001-07-10-2025

08-10-2025

Esta noite sonhei que estava no topo de uma montanha, prestes a iniciar a descida. O declive era irregular, abrupto, quase vertical — diria próximo dos 120 graus. Descia a correr, impelido pela necessidade de não cair, e simultaneamente prestava apoio à minha mulher (talvez a minha sombra?), que também descia, embora mais afastada. A determinada altura, ela passou à minha frente, seguindo por caminhos de pedra tortuosos e incertos.

Durante a descida, ouvimos o som de um bezerro. Imitei o seu mugido, mas alguém me advertiu para não o fazer, pois o animal encontrava-se preso num buraco, visível apenas por uma pequena abertura. Era pequenino, de lã branca.

Continuámos o percurso até alcançarmos uma passagem que conduzia a outro caminho, ladeado por muros naturais de pedra. No topo desses muros estavam alguns bodes pretos, imóveis, a observar-nos. Esperámos que se afastassem antes de continuar.

Mais à frente, chegámos a um abismo no fundo do qual se encontrava uma lagoa. À direita, havia uma gruta onde dois homens encapuçados — que associei a magos ou feiticeiros — escolhiam mobília antiga ali armazenada. Permaneciam no exterior, enquanto nós entrámos na gruta para também ver e escolher móveis muito velhos. Nesse momento acordei.

Análise simbólica e psicológica

Este sonho revela um processo de descida interior, uma travessia para os estratos mais profundos do inconsciente. Estar no topo da montanha representa a consciência vigilante e o domínio racional — o ponto mais alto do espírito, mas também o mais distante da matéria. A descida íngreme e quase vertical simboliza a necessidade de regressar à origem instintiva, ao corpo e à experiência emocional não integrada.

A presença da minha mulher, que interpreto como a anima¹, indica que o processo de descida está associado à integração da dimensão afectiva e intuitiva, muitas vezes projectada no outro. O facto de ela ir à frente mostra que o inconsciente (representado pela anima) está a guiar-me, ainda que por caminhos irregulares e difíceis de controlar.

O bezerro branco preso representa a inocência e a pureza aprisionadas, a energia vital ainda imatura e reprimida nas profundezas da psique. A advertência para não imitar o seu som sugere que ainda não é a altura de chamar essa energia — ela deve ser libertada apenas quando houver maturidade interior suficiente para a acolher.

Os bodes pretos olhando do alto dos muros são arquétipos ligados ao instinto e ao poder terreno. Representam as forças primordiais que vigiam e testam a travessia. São os guardiões liminares que separam os mundos. O preto não é o mal, mas o mistério do poder não integrado.

A lagoa no abismo e a gruta com os magos são símbolos iniciáticos: a água profunda indica o inconsciente colectivo, e os magos encapuçados são as figuras sábias do inconsciente — os iniciadores internos — que me convidam a revisitar "móveis antigos", isto é, estruturas psíquicas antigas, crenças e memórias que devem ser reavaliadas.

Análise pelos Arcanos Maiores do Tarot de Thoth

As imagens do sonho correspondem a uma sequência arquetípica clara:

  • A Montanha – O Eremita²: o ponto elevado da consciência e da introspeção. O Eremita guia com a luz da sabedoria interior, mas corre o risco de se isolar.

  • A Descida íngreme – O Louco³: o impulso do espírito que se lança no desconhecido, o início da jornada alquímica e a rendição ao inconsciente.

  • A Mulher/Sombra à frente – A Sacerdotisa⁴: o inconsciente profundo, o véu entre o visível e o oculto, guardiã do mistério e da intuição.

  • O Bezerro branco preso – O Hierofante⁵: a pureza e a tradição espiritual ainda cativas, o poder da fé que precisa de libertação interior.

  • Os Bodes pretos – O Diabo (ou Pan)⁶: a força vital bruta, o poder criador e destrutivo da matéria, a energia instintiva que deve ser integrada e não reprimida.

  • A Lagoa e os Magos na Gruta – O Mago e A Morte⁷: a alquimia interior, a transformação de velhas formas psíquicas e o renascimento espiritual que delas advém.

Visto sob o prisma do Thoth, este é um sonho de transmutação: a descida ao inconsciente para permitir que o fogo do espírito se encontre com a água da vida emocional — o casamento alquímico do Sol e da Lua.

Enquadramento na Árvore da Vida

A experiência situa-se na passagem de Tiphareth⁸ (o centro solar do Self) para Yesod⁹ (a Lua, o inconsciente), através da zona liminar da não-Sephira Daath¹⁰ — o portal do conhecimento oculto.

É precisamente aqui que sinto estar bloqueado. Daath representa o ponto de travessia entre o consciente e o inconsciente, onde o conhecimento intelectual deve ser transformado em sabedoria vivida. É o limiar entre o triângulo supernal (Kether-Chokmah-Binah) e o mundo da formação.

O bloqueio em Daath traduz-se na vida prática como estagnação material: apesar de uma expansão espiritual evidente, a energia não desce até Malkuth (o mundo físico). Há abundância de visão (fogo), mas carência de manifestação (terra). O fluxo vertical entre espírito e matéria está interrompido.

Em linguagem alquímica, o enxofre (fogo do espírito) não coagula com o sal (matéria)¹¹. Há luz, mas sem forma; há ideal, mas sem sustentação.

Conclusão: síntese integradora

Compreendo agora que o sonho é a imagem viva da travessia de Daath: desço da montanha do espírito em direcção à matéria, tentando não me perder no caminho. A minha sombra feminina conduz-me — é ela quem conhece os caminhos subterrâneos da alma.

O bezerro branco preso é a pureza interior ainda não libertada. Os bodes pretos são as forças instintivas que aguardam integração. E os magos da gruta são as figuras do Self que me pedem para reconstruir, com consciência, as estruturas psíquicas antigas que ainda me condicionam.

A nível prático, o sonho mostra-me que devo transformar a espiritualidade em forma útil e concreta: criar, ensinar, servir, e permitir que o fogo do ideal encontre expressão tangível. É o apelo para descer com lucidez, integrar os opostos e realizar o espírito no mundo.

Aprendo, assim, que a verdadeira iniciação não é uma fuga ascensional, mas um retorno consciente à matéria, uma descida ao centro da vida onde o divino se faz humano. Só quando o fogo toca a terra é que o espírito se torna obra.

Notas de Rodapé

  1. Anima – conceito junguiano que representa o aspecto feminino inconsciente na psique do homem; guia interior, mediadora entre o Eu consciente e o inconsciente.

  2. O Eremita (Yod, Virgem) – arcano da sabedoria interior e da introspeção; no Thoth, carrega o facho da luz espiritual.

  3. O Louco (Aleph, Ar) – princípio do espírito puro; representa o potencial criador e a inocência antes da forma.

  4. A Sacerdotisa (Gimel, Lua) – arcano do inconsciente profundo e da intuição; liga as esferas de Kether e Tiphareth.

  5. O Hierofante (Vav, Touro) – símbolo da tradição, da iniciação e da estrutura espiritual; o mediador entre o divino e o humano.

  6. O Diabo (Ayin, Capricórnio) – no Thoth, é Pan, o deus da Natureza total; representa o instinto vital e a energia criadora da matéria.

  7. O Mago (Beth, Mercúrio) e A Morte (Nun, Escorpião) – juntos simbolizam a transmutação alquímica: dissolver para recriar.

  8. Tiphareth – a esfera solar da Árvore da Vida; representa o Self, o centro da harmonia e da consciência.

  9. Yesod – a esfera lunar, ligada ao inconsciente, à imaginação e ao mundo dos sonhos.

  10. Daath – a "não-Sephira" ou conhecimento oculto; ponto de transição entre o espírito e a forma; representa o abismo do autoconhecimento.

  11. Enxofre e Sal – princípios alquímicos que simbolizam, respetivamente, o fogo espiritual e a matéria fixa; a união de ambos (com o mercúrio como mediador) produz a "pedra filosofal".

Nota Final

Esta leitura representa uma interpretação simbólica e arquetípica de um conteúdo onírico pessoal. Embora assente em referências do Tarot, da psicologia analítica e da tradição cabalística, é uma construção subjectiva — uma tentativa de dar forma e sentido a imagens que pertencem à linguagem íntima do inconsciente. Não pretende afirmar verdades absolutas, mas apenas oferecer um espelho possível da alma em determinado momento do seu percurso.

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