Sonho 002-10-10-2025
A camada do sonho que a memória reteve foi novamente uma descida íngreme, como se fosse aquela queda súbita de uma montanha-russa.
Ia num táxi, sentado no banco de trás, acompanhado por dois amigos — rostos sem referência na vida desperta, mas de presença familiar.
A estrada seguia tranquila até que, de repente, se abria uma descida vertical, abrupta, quase impossível.
Ao fundo, via-se o mar.
Naquele momento em que o carro se inclinava, pensei no cinto de segurança e na impossibilidade de alcançar o telefone para fotografar a cena.
E, contudo, não havia medo.
O corpo estava suspenso, os pés voltados para o vidro dianteiro, num estado de ausência de gravidade.
A sensação era paradoxalmente segura, até divertida — como se a vertigem fosse apenas um modo do espírito anunciar a liberdade.
Análise Simbólica
A repetição do motivo da descida íngreme — já presente no sonho anterior — indica um processo contínuo de mergulho no inconsciente.
Mas, desta vez, há movimento partilhado: já não desço a pé, sozinho, mas num carro colectivo, o táxi.
O táxi representa um instrumento de transição, uma passagem guiada entre dois estados de consciência.
Estar no banco de trás mostra a rendição do ego — não sou eu quem conduz; limito-me a deixar-me ir.
Os companheiros anónimos são fragmentos da psique, funções internas que participam neste movimento descendente.
A estrada vertical simboliza o eixo da travessia interior, e o mar ao fundo o inconsciente colectivo — o destino último.
O pensamento racional sobre o cinto de segurança e o desejo de fotografar representam o esforço do ego para controlar e registar o inefável; mas o sonho impede essa apropriação, lembrando-me que o inconsciente só pode ser vivido, não capturado.
O estado de suspensão sem gravidade é um limiar entre mundos: o instante em que a queda se transforma em entrega.
Aqui o medo dissolve-se, e a vertigem converte-se em confiança.
Correspondência com o Lançamento do Dia
As cartas reveladas para esta sexta-feira — O Diabo, Os Enamorados e A Torre, com O Hierofante como carta de fundo — espelham o próprio movimento do sonho.
O Diabo mostra o impulso vital e instintivo que impele a descida; Os Enamorados representam a tensão entre escolha e união, luz e sombra; A Torre é a ruptura inevitável das estruturas que já não sustentam o crescimento; e O Hierofante surge, por detrás, como o mestre interior que traduz a experiência em sabedoria.
O sonho, portanto, manifesta em linguagem imagética aquilo que o Tarot expressa em símbolos: a dissolução das velhas formas (A Torre), a libertação da energia instintiva (O Diabo), a integração dos opostos (Os Enamorados) e o início de uma nova compreensão espiritual (O Hierofante).
Enquadramento na Árvore da Vida
O movimento descrito situa-se entre Geburah (Força/Marte) e Hod (Intelecto/Mercúrio), eixo de severidade e análise.
A energia marciana da descida (A Torre) é agora canalizada pela função mercurial do entendimento — a mente começa a compreender o que antes apenas temia.
O mar, símbolo lunar de Yesod, acolhe esta força e prepara a síntese com Tiphereth (o coração consciente).
Assim, o sonho revela um processo de integração entre impulso e lucidez, instinto e sentido.
Conclusão
A queda transformou-se em voo.
Já não há ameaça, apenas movimento.
O inconsciente, que antes se apresentava como abismo, revela-se agora caminho natural.
A segurança surge não do controlo, mas da confiança em que o veículo — a própria psique — sabe o trajecto.
O mar é o destino, e nele não se afunda: flutua.
Nota Final
Esta análise não pretende fixar significados, mas traduzir uma vivência interior.
O sonho é uma linguagem simbólica em permanente mutação — o seu valor reside na experiência que evoca, não na explicação que se lhe atribui.
Trata-se, pois, de uma leitura interpretativa e subjectiva, que procura dar forma a um movimento da alma que ainda se desenha.