Sonho 003-12-10-2025

Estava de férias, numa cidade de passagem. Todos os outros tinham ficado no hotel à espera do próximo avião; eu saí sozinho para visitar parte da cidade. Era uma rua só de comércio e todas as lojas estavam fechadas — era hora de almoço. Senti frustração: queria ver coisas, entrar, tocar, mas estava tudo fechado. Começou a chover e eu não estava vestido para isso. Irritei-me e, num impulso, lancei a intenção (mentalmente) de parar a chuva com a minha irritação. Curiosamente, a chuva abrandou e acabou por parar.
Virei à esquerda; à direita havia uma loja aberta que me chamou a atenção pela cor, mas continuei porque vendia produtos dentários — não entrei. A rua pela qual segui descia ligeiramente; era larga e tinha uma fila de carros estacionados no meio que a dividia. Pensei em aproveitar a inclinação e, em vez de caminhar, comecei a planar: o meu casaco comprido esvoaçava nas minhas costas como se fosse uma capa. Veio um carro a subir — pensei que viesse na faixa contrária, mas não, ambos partilhávamos a mesma faixa; ele passava à minha direita. Elevar-me acima dele foi o primeiro desafio — consegui. Sobrevoei um caixote do lixo na berma como prova de controlo. Mais à frente um carro desportivo vermelho subia e afastou-se; senti-me seguro. No final da rua apareci na Avenida da Liberdade; virei à direita e, na esquina, uma loja de aviação com funcionárias de fardas liláses foi o meu sinal de chegada. Continuei a descer a avenida a pé e o sonho desvaneceu-se.
Análise do sonho (psicológica e simbólica)
Sinto este sonho como um ensaio de domínio e integração. A cena tem vários motivos arquetípicos: a cidade de passagem (entre-mundos), a chuva (emoção), a tentativa de controlo, o planar (domínio do elemento ar), os carros (impulsos), o caixote do lixo (resíduos psíquicos), e a loja lilás (porta para uma dimensão mais subtil). Abaixo exploro cada núcleo simbólico e o que ele me diz sobre o meu processo interior.
1. Cidade de passagem e lojas fechadas — a suspensão e a frustração
A rua com o comércio fechado significa um bloqueio temporário ao acesso a conteúdos e oportunidades. No plano psicológico, traduz a sensação de estar "entre" — pronto para algo, mas impedido por horários, ritmos ou condições externas. A frustração é o gatilho que me faz agir (no sonho, agir sobre a chuva) e revela uma tensão entre desejo e limitação.
2. A chuva e a capacidade de a deter — emoção e controlo
A chuva simboliza a descarga emocional, o influxo do inconsciente. O acto de "parar" a chuva com irritação manifesta duas coisas: (a) a minha tendência a tentar controlar o ambiente com afectos intensos; (b) a possibilidade de transformar emoção em acção reguladora. Psicologicamente, é ambivalente: por um lado mostra poder — consigo modular o clima psíquico; por outro, revela que muitas vezes ainda uso afectos fortes como ferramenta de controlo em vez de aceitar e trabalhar a sensação.
3. A loja aberta que não visito — sinal de disponibilidade que não tomo
A loja dentária aberta (e a minha decisão de não entrar) aponta para sinais de oportunidade que percebo, mas que não escolho integrar de imediato. A boca/dentes são símbolos de expressão e assimilação: talvez haja algo que posso dizer ou integrar que eu adio.
4. A rua inclinada e o planar — aprendizagem do voo interior
Ao planar aproveitando a inclinação, faço um movimento iniciático: em vez de lutar contra a gravidade interior, uso-a. O casaco-capa simboliza uma identidade que me dá asas — um manto iniciático que transforma a frustração em habilidade. O voo controlado demonstra que já tenho meios de me elevar acima das circunstâncias, o que é um sinal claro de maturidade psíquica.
5. Carros e o caixote do lixo — integração dos instintos e superação do rejeitado
Os carros representam forças impulsivas e motoras. Sobrevoá-los com facilidade mostra integração crescente dessas pulsões: não as reprimo nem sou tragado por elas. Sobrevoar o caixote do lixo tem um valor simbólico forte: ultrapasso ou transcendo o que estava indelevelmente rejeitado em mim; já não sou tocado pelos "resíduos" do passado.
6. Avenida da Liberdade e a loja de aviação lilás — expansão e espiritualização
A chegada à Avenida da Liberdade simboliza alargamento do espaço interior — maior possibilidade de escolha e visibilidade. A loja de aviação e o lilás remetem para a transmutação: o lilás é cor de espiritualização, da síntese entre o rojão e o violeta mais elevado; a aviação é o domínio do ar — a mente que serve o espírito. Encontrar hospedeiras simpáticas nesse espaço significa acolhimento do princípio superior no mundo.
7. Caminhar no final — aterragem e integração
O sonho termina com um andar sereno: depois do ensaio do voo, retorno ao movimento humano simples. Isto diz-me que o exercício não é esoterismo distante mas prática incorporada: o voo serve o caminhar.
Síntese da análise
Este sonho mostra-me que estou a aprender a transformar frustração e emoção em habilidade — a capacidade de planar simboliza um novo modo de existir: manter contacto com a terra enquanto me elevo. O gesto de "parar a chuva" denuncia ainda tendências de controlo afectivo, mas também demonstra que, quando necessário, a minha energia consegue modular o ambiente. A loja lilás e a avenida confirmam que este domínio tem uma finalidade: manifestação do espírito no quotidiano. O sonho aponta, portanto, para uma fase de transmutação prática — integrar, no corpo e na vida, o movimento do espírito.
Interpretação com o Tarot de Thoth (Cruz Celta)
A seguir apresento as cartas que tirei e a minha interpretação em primeira pessoa.

"Que revelação me traz este sonho sobre o meu alinhamento actual com a energia da alma?"
2 de Copas — Amor
A carta central indica a vibração essencial do sonho: união, reciprocidade, harmonia emocional entre forças complementares. No Thoth, este arcano representa o amor equilibrado, a integração da polaridade interna — anima e animus, consciente e inconsciente. O sonho revela o impulso profundo da alma para o reencontro do Eu interior com a sua contraparte espiritual. O voo, a leveza e o domínio do ar no sonho mostram o mesmo movimento: superar o peso da matéria através da fusão dos opostos.
Sinto o impulso de união interior: o sonho nasce de um desejo profundo de reconciliação entre opostos dentro de mim — sentir e pensar, amar e fazer. A cena do planar é expressão desta união dinâmica.
10 de Espadas — Ruína
Aqui surge o obstáculo: a mente levada ao extremo. A saturação mental, a exaustão de pensamentos, o excesso de análise ou controlo impede o fluir natural da alma. É uma carta de "morte mental", onde o ego racional tenta manter o controlo, mas esgota-se. A irritação inicial com a chuva no sonho é o reflexo disso — a mente em luta com as condições externas, antes de se render e permitir que a água cesse. O obstáculo é o esgotamento da mente inferior.
Percebo que a mente, quando exausta ou obcecada pelo controlo, se torna um obstáculo. A minha tentativa de "controlar" a chuva revela esse esgotamento mental que deve ser transcendido.
4 de Discos — Poder
No plano consciente, o meu foco está em estabilizar, construir e proteger o meu espaço material e energético. Esta carta é a base sólida, o domínio sobre o próprio território interior. Mostra que o ego tem consciência da necessidade de segurança e estrutura. No entanto, há o risco de cristalização: poder sem movimento. No sonho, esta energia manifesta-se no momento em que controlo o voo — o domínio começa a ser conquistado, mas ainda sob a forma de vigilância e esforço.
Estou consciente da necessidade de proteger e consolidar o meu espaço. Desejo segurança e estrutura; no sonho esse desejo aparece na forma de domínio sobre o voo — controlo que sustenta a liberdade.
Ás de Discos — Raiz da Manifestação
Magnífica raiz. Esta carta representa a semente da manifestação espiritual na matéria — a alma quer encarnar mais plenamente. É o princípio da abundância e da materialização do propósito divino. A minha alma procura criar forma para o espírito — tornar tangível aquilo que tem sido apenas intuição ou inspiração. O sonho mostra precisamente isso: passo da frustração (chuva) à acção (voar), ou seja, do peso à leveza criadora.
A semente para a encarnação do propósito está viva em mim. O desejo de trazer o espírito à forma é a raiz que sustenta toda a experiência do sonho.
2 de Discos — Mudança
O passado recente revela ciclos, mutação, adaptação — uma fase de transição entre dois estados, em que o equilíbrio é dinâmico e não fixo. Tenho oscilado entre a estabilidade e a necessidade de transformação. No Thoth, o 2 de Discos é governado por Júpiter em Capricórnio: expansão controlada, crescimento com responsabilidade. No sonho, essa energia manifesta-se como o treino do controlo do voo — a aprendizagem do movimento entre mundos.
Venho de um tempo de oscilação e adaptação. Aprendi a navegar entre estados, e o planar simboliza esse equilíbrio dinâmico.
Princesa de Espadas — Libertação Mental
O futuro próximo mostra a mente liberta e penetrante. Esta Princesa é o vento que varre as ilusões, o discernimento cortante que purifica o campo mental. É o aspecto mais jovem e renovador do ar — o início de uma nova forma de pensar e comunicar. O sonho, dominado pelo ar (planar, voar, observar), já anuncia esta libertação. A princesa destrói as antigas construções mentais (10 de Espadas) para dar clareza ao contacto com o espírito.
Vejo a emergência de uma nova clareza mental — uma voz que renova, limpa e corta o que já não serve. O vento da compreensão está a soprar a meu favor.
4 de Copas — Luxo
Aqui a minha auto-imagem está associada à saturação emocional. O 4 de Copas mostra a estagnação na sensibilidade, um prazer que perdeu frescura, o tédio que surge quando a alma quer mais profundidade. O voo no sonho representa o desejo de transcender essa estagnação — de encontrar uma nova fonte de emoção autêntica. É um aviso de que o conforto emocional pode tornar-se prisão se não se abrir ao fluxo do amor superior (2 de Copas)
Reconheço uma certa saturação emocional: o conforto já não me alimenta como antes. O sonho é um apelo para procurar fontes mais vivas de significado.
3 de Discos — Trabalho
No exterior, as forças que me envolvem são construtivas, colaborativas e disciplinadas. O 3 de Discos é o trabalho visível da alma no mundo. É o esforço físico e espiritual que começa a gerar frutos concretos. As influências externas são favoráveis: indicam que há bases sólidas, parcerias ou projectos que sustentam o meu caminho.
As circunstâncias externas sustentam o meu processo: há trabalho visível e cooperação que me ajudam a manifestar o que interiorizo.
2 de Espadas — Paz
Há aqui uma ambivalência: desejo paz mental, mas também receio a passividade que ela traz. O 2 de Espadas é o equilíbrio tenso entre dois polos mentais — a vontade de silêncio interior e o medo de "morrer" mentalmente. A minha esperança é a harmonia do espírito; o meu temor, é o vazio que a precede.
Aspiro à harmonia mental, mas temo o vazio que a paz pode trazer. O sonho indica o desafio de aceitar o silêncio interior como fertilidade.
9 de Copas — Felicidade
Magnífico desfecho: alegria, realização emocional, prazer e harmonia interior. Esta carta é a recompensa pela integração das polaridades. Representa o florescimento da alma na matéria — o momento em que o amor (2 de Copas) triunfa sobre a ruína mental (10 de Espadas). O sonho termina com leveza e cor (as hospedeiras liláses), símbolo da vibração da alma integrada no plano emocional.
O final promete uma alegria serena — mais do ser do que do ter. O sonho aponta para uma satisfação interior autêntica quando conseguir consolidar essa integração.
Conclusão integradora
O sonho foi um ensaio vivo da minha capacidade de transformar frustração em habilidade, emoção em técnica e impulsos em voo consciente. Psicologicamente, apresenta-me uma progressão clara: da irritação e vontade de controlo até ao domínio leve e confiante do elemento ar, culminando numa sensação de acolhimento e transmutação (a loja lilás). A leitura do Thoth confirma e complementa essa narrativa: há um trabalho de encarnação (Ás e 4 de Discos), a dissolução de padrões mentais exaustos (10 de Espadas → Princesa de Espadas) e uma promessa de satisfação interior (9 de Copas).
Nota Final
O Tarot de Thoth é, de todos os baralhos, o mais exigente no plano da consciência.
A sua linguagem não é apenas simbólica — é teúrgica, isto é, opera energeticamente sobre a psique.
Crowley e Frieda Harris conceberam-no como um espelho do universo hermético, onde cada carta é uma "porta de entrada" para uma frequência espiritual.
Ao trabalhar com ele, a nossa tarefa deixa de ser apenas interpretar e passa a ser sintonizar.
O Thoth exige do leitor uma postura sacerdotal: não tanto "ler para alguém", mas celebrar o acto de revelação.
Cada tiragem é uma invocação, uma forma de magia interior.
Por isso, o facto de iniciar este caminho a um domingo - dies Solis - é como se a própria Consciência Solar abençoasse o meu novo ciclo — dizendo-me:
"Agora que viste o caminho dos arquétipos, vê o mundo inteiro através deles."
* Todas as leituras dos 3 sonhos, representam uma interpretação simbólica e arquetípica de um conteúdo onírico pessoal. Embora assente em referências do Tarot, da psicologia analítica e da tradição cabalística, é uma construção subjectiva — uma tentativa de dar forma e sentido a imagens que pertencem à linguagem íntima do inconsciente. Não pretende afirmar verdades absolutas, mas apenas oferecer um espelho possível da alma em determinado momento do seu percurso.