V.I.T.R.I.O.L. - O Tarot como Via da Transmutação
No Tarot, algumas cartas são tendencialmente tidas como desafiantes ou associadas a momentos difíceis, pois representam energias intensas, situações de crise ou desafios emocionais, mentais e físicos. Contudo, é importante lembrar que nenhuma carta é inteiramente negativa ou positiva; o seu significado depende do contexto, das outras cartas presentes na leitura e da interpretação do tarólogo. Partindo deste princípio, estas são algumas das cartas tradicionalmente vistas como "negativas" ou que geram maior resistência:
Nos Arcanos Maiores, destacam-se:
- A Torre (XVI), que simboliza mudanças abruptas, crises ou desestruturação, indicando a destruição necessária para abrir espaço a algo novo;
- A Morte (XIII), que, apesar do seu nome, representa o fim de ciclos e transformações profundas, trazendo consigo a promessa de renovação;
- O Diabo (XV), que reflecte aprisionamento a padrões negativos, como dependências, medos ou ilusões;
- O Dependurado (XII), associado à estagnação ou sacrifício, mas também à necessidade de novas perspectivas;
- O Julgamento (XX), que implica auto-avaliação intensa e confrontação com o passado, embora também traga a possibilidade de redenção;
- A Lua (XVIII), que remete para incerteza, confusão e ilusões, desafiando a confiança na percepção da realidade.
Já nos Arcanos Menores, temos:
- O 9 de Espadas, que reflecte ansiedade, sofrimento, lágrimas e pensamentos obsessivos;
- O 10 de Espadas, que indica encerramentos dolorosos ou sensação de derrota;
- O 5 de Copas, ligado a luto emocional e dificuldade em superar perdas;
- O 7 de Espadas, que sugere desonestidade, traições ou estratégias ocultas, instabilidade;
- O 5 de Ouros, que aponta para perdas financeiras ou falta de apoio emocional, despedimento;
- O 5 de Paus, associado a conflitos e competições no quotidiano.
Apesar de serem consideradas difíceis, estas cartas dão perspectivas transformadoras. Por exemplo, A Torre ensina a reconstruir sobre bases mais sólidas, enquanto O Diabo alerta para a necessidade de romper ciclos prejudiciais, e A Morte abre caminho para novos inícios. Assim, em vez de rotular estas cartas como "negativas", é mais útil vê-las como sugestões de reflexão e crescimento pessoal.
A forma como reagimos a estas cartas, sejam positivas ou desafiantes, reflecte a interacção entre o emocional e o racional no ser humano. Quando surgem cartas como O Sol ou A Estrela, há um sentimento de tranquilidade, mesmo que o consulente saiba que nada está garantido. Contudo, cartas desafiantes como o 9 de Espadas, por exemplo, ou A Torre despertam insegurança e desconforto. Isto pode-se ser explicar de várias formas.
Em primeiro lugar, a mente humana tem um viés negativo natural, uma herança evolutiva que privilegia a atenção às ameaças. Enquanto cartas positivas reforçam a segurança, as desafiantes activam um alerta subconsciente. Além disso, o simbolismo das cartas gera impacto emocional directo; imagens de sofrimento ou perda, como as do 9 ou 10 de Espadas, evocam medo e angústia. Outro aspeto relevante é a necessidade de controlo. Cartas positivas transmitem a sensação de que tudo está a correr bem, enquanto as desafiantes parecem ameaçar a estabilidade, especialmente em momentos de maior vulnerabilidade.
Por fim, há uma tendência frequente de interpretar cartas positivas como promessas de acontecimentos favoráveis e cartas desafiantes como prenúncios de problemas inevitáveis, o que ignora a riqueza simbólica e o amplo carácter do Tarot. Por exemplo, A Torre, apesar do desconforto que pode evocar, é um convite à renovação e libertação, enquanto o 9 de Espadas apela a que enfrentemos os nossos medos mais profundos. Contudo, o desejo de certeza e estabilidade pode levar o consulente a evitar explorar estas cambiantes, limitando a compreensão das mensagens das cartas.
O Tarot reflecte os nossos estados emocionais, funcionando como um espelho para a auto-exploração. As cartas desafiantes, embora difíceis de aceitar, oferecem oportunidades únicas de crescimento, enquanto as positivas reforçam esperança e potencial. Juntas, essas energias equilibram-se, lembrando-nos que o Tarot é, acima de tudo, um guia para olhar para dentro de nós mesmos, ajudando-nos a compreender como reagimos aos desafios e bênçãos que a vida nos apresenta.
Desta forma, o conceito de V.I.T.R.I.O.L. — "Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem" — aplica-se perfeitamente ao Tarot. Ambas as práticas nos convidam a explorar as camadas mais profundas do inconsciente, confrontar a Sombra e integrar essas descobertas no processo de crescimento pessoal e espiritual. Assim como na alquimia, em que a transmutação leva à descoberta da Pedra Filosofal, o Tarot oferece-nos as ferramentas para alcançar o autoconhecimento, a transformação e a individuação, tal como proposto por Jung.
